Vitamin




            Parei na frente do computador e fiquei um tempão tentando começar a escrever essa postagem. Acredite, hoje não foi a primeira vez, pois já tem alguns dias que tenho tentado.  A minha dificuldade de escrever sobre “Vitamin” é porque ele aborda muitos assuntos difíceis e necessita de um cuidado especial para falar de cada assunto. Esse fantástico mangá foi lançado em 2001, no Japão, e trazido para o Brasil, pela editora JBC, em 2015.  Tem uma ilustração com belos traços e uma história que nos deixa mais conscientes sobre o bullying, as falsas amizades, o namoro abusivo, professores omissos e pais que se importam mais com o futuro e esquecem do bem-estar psicológico e emocional dos seus filhos. Porém, esse vendaval todo nos ensina que, mesmo que estejamos no limite do desespero, sempre existirá alguma luz que nos dá coragem para enfrentar a vida mais uma vez.
            Sawako Yarizu é uma estudante de 15 anos que leva uma vida normal, como qualquer adolescente. É uma garota alegre, amigável, corajosa, porém submissa. Ela se esforça para ser uma boa filha, uma boa amiga, boa namorada e boa aluna. Um dia, quando estava em uma situação íntima com seu namorado, na escola, acaba sendo vista por um colega de classe. O colega, por sua vez, fez questão de espalhar pela escola o que havia visto, transformando a vida dela no verdadeiro inferno. Aquele que dizia que iria protegê-la se acovardou e foi o primeiro a virar as costas para Sawako. Suas amigas, que tanto a presavam, não viraram as costas, mas foram as primeiras a começar a praticar bullying com ela. Desprezada, humilhada e esmagada, eram assim todos os seus dias.  Não importava o que, não tinha sequer uma pessoa ali que estava disposta a dar sua mão e salvá-la daquele inferno. Todo os dias era como se uma faca a atravessasse no peito. Doía e, no fundo da sua alma, ela pedia para que alguém enxergasse o que estava acontecendo, porque dizer com sua própria boca era difícil, pois lhe dava medo.


            Kouta Arii é o namorado de Sawako. Ela, corajosamente, se declarou para ele. Já estavam namorando por, no mínimo, uns 5 meses. Apesar dela gostar muito dele, mesmo que ela não colocasse em palavras, era bem claro que não gostava de seu lado arrogante e machista. Não se sentia confortável com ele monopolizando todo o seu tempo livre, não dando espaço para ela curtir suas amizades. Muito menos gostava de quando ele a forçava a aceitar a fazer sexo, o que ela acabava consentindo, por querer ser uma boa namorada. Mesmo não querendo e mesmo não gostando, ela se submetia aos seus atos abusivos.  Sawako ficava chateada, é claro, mas não dizia nada. No outro dia, como todo namorado cretino e abusador, ele pedia desculpas, com carinha de santo, e a garota apaixonada e iludida pelos seus sentimentos achava bonitinho seu ato de ter reconhecido seu erro e pedido desculpas. O fato dele pedir desculpas deixava claro que ele sabia que não era certo o que estava fazendo. Porém, adivinha, no mesmo dia, mais tarde, ele tirou sua máscara de santinho e usou sua verdadeira face de um cara machista, que acha que sua namorada existe para satisfazer seu desejo e mais nada, e mais uma vez a forçou a aceitar.  Te forçar a fazer algo que você não quer só quer dizer que ele não te respeita. Amor e respeito andam de mãos dadas. Não existe amor quando não há respeito. Não aceite um amor fajuto e barato como esse.


            Não devo esquecer que ele mostrou o seu nível alto de ciúmes, além do normal, ao ponto dela não poder sequer agradecer a uma pessoa do sexo oposto, por ser ajudada com algo. Isso, para mim, foi sinal suficiente para entender o tipo de pessoa que, provavelmente, ele era. Uma pessoa sentir ciúmes pode ser algo agradável, nos faz acreditar que a pessoa se importa e tem medo de nos perder. Porém, não se iluda, existe um limite. Um ciúme que te priva de se comunicar ou ter amizade com outras pessoas está além do normal e pode começar a ficar cada dia mais grave, ao ponto de um dia você sufocar até a morte, muitas vezes literalmente. Então, ciúme além do normal não é bonitinho e não quer dizer que ele te ama demais, só está querendo dizer que ele acredita que você é um objeto que pertence a ele. Isso não é verdade! Você não pertence a ninguém além de si mesma. Como todo homem abusivo, ele mostrou o quão covarde ele pode ser. Depois de obrigá-la a transar na escola e serem vistos, apenas o rosto da Sawako havia sido reconhecido e foi a cabeça dela que rolou. E adivinha? O cara, que havia dito que a ia protegê-la, aconteça o que acontecer, fez o boato ficar ainda pior, quando disse que não era ele, o que deu a entender que a garota estava traindo. Vocês acham que isso acaba aí??? Kouta teve a cara de pau, com lágrimas nos olhos, de apenas pedir desculpa a ela e, no outro dia, a abandonou. Quem teve que lidar com o terror sozinha?? Esse é o tipo de garoto que você deve correr. Começa com ciúmes demais. Quando você percebe, está se submetendo a todos os desejos dele, mesmo não querendo, e daí vai só piorando. Quando piscar, ele está sendo violento com você. Aí depois ele pede desculpas, te mima com as coisas que mais gosta, é gentil e doce, e você acredita... e lá vamos nós voltar ao círculo vicioso. No final, você será a única sozinha. Então, lembre-se: você pertence a si mesma.  Antes de amar alguém, é necessário que você tenha amor próprio, pois, assim, você nunca se sujeita a esse tipo de relacionamento. Definitivamente, nunca se esqueça que quem ama respeita, sempre. Se não há respeito, não há amor. Você nasceu para ser amada, valorizada e respeitada. 



            Minha mãe costumava dizer que não existem amigos verdadeiros e que eu deveria tomar mais cuidado. Claro que, no caminhar da vida, eu tive algumas decepções, mas sempre tive muita atitude e cortei pela raiz aquilo que não me fazia bem. Na vida, conheceremos muitas pessoas. Eu conheci muitas. Algumas que diziam ser amigas, outras que eram apenas colegas próximas. Hoje, quando eu olho para o lado, que amigo de fato eu tenho? Eu posso contar nos dedos e, ainda assim, muitas vezes me sinto sozinha.  Sawako tinha suas amigas. Ela gostava de estar com elas, rir, zoar e conversar. Porém, ela sentia que havia uma linha entre elas. Mesmo assim, queria acreditar que existia uma amizade de verdade, porque, pelo menos da parte dela, estava sendo sincera sobre isso. O que é de fato amigo? No dicionário, diz: que ama, que demonstra afeto, que protege, que é leal e faz o possível pelo bem dessa pessoa. Essas garotas, que diziam ser amigas de Sawako, diante de todo o caos que estava acontecendo com ela, ao invés protegê-la e fazer o possível por ela, mostraram suas verdadeiras faces. O motivo de sempre ter tido uma linha que as dividiam veio à tona: provavelmente, elas não viam a hora dela tropeçar, para que tivesse uma razão para que pudessem pisar nela. As supostas amigas foram as primeiras liderarem os dias infernais de Sawako na escola. Todo o tipo de humilhação elas fizeram a pobre garota passar. Enquanto a pisoteavam, haviam aqueles ajudavam no bullying e aqueles que riam da dor dela. Sempre que vemos uma história sobre bullying, na maioria das vezes, são os próprios amigos que começam. Então, me permita dizer que, se pessoas que diziam ser amigas fazem tal coisa com você, é porque elas nunca foram suas amigas. Sawako, apesar de passar por tudo isso, quando recebeu uma carta com mensagens de cada aluno pedindo desculpas, não pensou duas vezes em perdoar aquelas pessoas e voltou com um sorriso no rosto, embora ainda tivesse medo. E, adivinha, eram apenas mentiras para que pudessem humilhá-la mais ainda. Essa foi a gota d’água. Se não fosse pela mãe dela ter evitado, Sawako teria tirado sua vida, por não suportar mais isso.  Claro que não devemos ter medo de fazer amigos e de conhecer novas pessoas, mas temos que ter cuidado, sempre. Lembra do amor próprio? Isso também é algo necessário para qualquer momento da vida. Sawako resolveu fugir do terror, não viu outra opção a não ser não ir mais à escola. 


“Alguém me ajude”
No Japão, cada sala tem um professor responsável. Eles têm que estar sempre cuidando para que seus alunos andem na linha. Então, cuidam muito da imagem da sala. Um assunto como bullying pode sujar não apenas uma sala, mas um professor e a escola, por essa razão, esses professores se acovardam diante de tal situação e fingem não ver.  Ainda que a Sawako, com muito medo, tenha contado o ocorrido ao professor, com uma pontinha de esperança que ele pudesse fazer algo para parar isso, ele se fez de desentendido. Usou a desculpa de estarem estressados com a pressão do Vestibulinho, e ainda disse que ela estava levando a sério demais, pois provavelmente era apenas uma brincadeira. Eu juro que contei até 10 depois de escrever isso, porque adulto que se faz de cego me irrita mais que adolescente, pois eles ao menos têm a desculpa de ainda serem imaturos. No entanto, não há desculpa para um professor, que deveria proteger seus alunos, ser omisso e permitir que seus alunos passem pelo inferno. Isso mostra o quanto ele se importa, na verdade, apenas com a aparência e não com o aluno. Claro que temos que respeitar sempre os professores, mas acho que as escolas deveriam trabalhar esse ponto entre os professores, pois eles não podem fechar os olhos. Eles devem saber que não existe justificativa para bullying e tem que ser resolvido.



“Por que você diz que meu futuro acabou?!”
            Depois de todo o inferno que passava na escola por causa do bullying, o único lugar que Sawako ainda tinha era sua casa. O único lugar onde ela poderia fugir da realidade de terror que ela estava vivendo. Então, chegou um dia em que ela não conseguia mais ir à escola. Sua mãe não conseguia aceitar de jeito algum que ela desistisse de ir à escola e, mesmo não sabendo o que estava acontecendo lá, ela deveria ter percebido que havia algo incerto para que ela não quisesse ir. Mesmo assim, não moveu um dedo para descobrir. Tudo o que ela queria era que sua filha não arruinasse seu futuro e que se mantivesse como a boa filha que sempre fora. Por outro lado, o pai, um homem compreensivo, enxergando toda a dor que ela parecia estar carregando, disse que estaria tudo bem se não quisesse ir. No entanto, sua mãe insistia todos os dias. Nesses dias em casa, quando limpava seu quarto, acabou relembrando de um antigo sonho, que era ser mangaka. Isso virou a sua luz no fim do túnel. Ela finalmente havia encontrando algo que a fazia querer enfrentar a vida novamente. Porém, sua mãe não era capaz de aceitar e continuava a forçando a ir à escola. Mesmo que a própria garota tentasse, não conseguia sequer sair na porta. Quando a humilhação quebrou todo o seu ser, ela tentou suicidar, o que foi evitado por sua mãe. A garota confessou estar passando por bullying, mas não foi suficiente para abrir os olhos dessa mãe.


            O que há de errado com esses pais que parecem ter medo de encarar os problemas emocionais e psicológicos dos seus filhos? Por que muitos pais veem que há algo errado e não fazem nada para descobrir? No primeiro “está tudo bem”, eles acatam e tudo certo.  Se um filho não quer ir à escola, não é por que existe alguma coisa errada? O que é isso? Medo? Vergonha de encarar os problemas? Se esse fosse o único problema, estaria bom, né? O problema da casa não era apenas falta de compreensão de sua mãe, mas a falta de apoio, que era pior do que a falta de compreensão. Sawako juntou toda a coragem para lutar e continuar vivendo. Mesmo que não fosse à escola, havia um sonho a ser realizado, uma coisa que lhe dava força para encarar o mundo novamente. Quando ganhou um prêmio e foi contar, alegremente, para sua mãe, a pobre garota levou um balde de gelo de sua mãe, que disse: “pare de sonhar assim”.  


            Esse é um problema muito frequente entre pais e filhos. O filho faz de tudo para ser motivo de orgulho para o pai, porém, nunca é percebido. Nem sequer um elogio é recebido. Muitas vezes, quando fazemos algo que gostamos e nos empenhamos, o que eles fazem é derrubar isso. Se na minha própria casa, as pessoas que confio não forem capazes de apoiar o meu sonho, por mais insignificante que seja, o que irei fazer da minha vida? Ouvir sua mãe desfazendo da única coisa que lhe dava vontade de continuar em frente foi o fim. Ela rasgou seu coração e jogou tudo na cara da mãe. Foi difícil, mas necessário. Pais também precisam de uma sacudida para abrir os olhos. Não importa o que os outros pensam, o que importa é o bem-estar da família. O futuro deve ser desenhado com as cores que gostamos, não na cor que as pessoas acham melhor. Isso foi o suficiente para que uma mãe abrisse os olhos e buscasse ajuda para que também fosse uma mãe melhor, que fosse capaz de ajudar sua filha a curar todas as feridas do terror que passou e viver livremente, com muita força e coragem. Ela não precisava ir à escola para fazer o seu futuro. Ela poderia construir o seu futuro onde quisesse.


            Essa história nos mostra muitos lados, mas, no fim das contas, apesar de tudo que aconteceu, a jovem Sawako saiu vitoriosa. Ela reconstruiu o seu sonho perdido, superou seus medos, temores e encarou seus agressores com muita coragem, mostrando o quanto havia progredido. Mais que pais e filha, eles viraram verdadeiros amigos, que se entendiam e se apoiavam. Sawako e sua família só ganharam, apesar de tudo. Porém, aqueles que viraram a cara para não enxergar o ocorrido e aqueles que praticaram o bullying, o que será que ganharam? O que eles acham que ganharam? Só Deus e eles mesmos devem saber. Espero que eles nunca mais façam isso e não sejam uma das vítimas.  Dá para aprender muita coisa através dessa história. Eu continuo dizendo que não devemos brincar com a vida e a dor de ninguém. O bullying deixas muitas sequelas. Deus sabe o que Sawako ainda irá enfrentar, por causa do terror dessa época. Será que ela conseguirá abrir o coração novamente para fazer amigos ou até mesmo arrumar um namorado? Ainda existem muitas coisas para lidar. Ela poderia ter entrado em uma depressão profunda e ter tirado sua vida para se livrar da dor. Ela teve ambos, mas conseguiu superar. Muitos não conseguem. Então, não brinquem com a vida das pessoas, respeitem sempre. Irei deixar umas palavrinhas da autora para vocês.




            Sei que não foi uma postagem normal sobre mangá. Eu queria aproveitar o assunto e fazer vários comentários. Acabou dessa forma.  Achei muito importante conversar sobre isso, justamente por ser “setembro amarelo”. Muitas pessoas tiram suas vidas por causa do bullying, então, sim, é muito importante falar sobre isso. “Vitamin” é um mangá maravilhoso, um dos melhores mangás da minha coleção. Ele fala muito bem sobre a realidade que muitos estudantes passam. Só esperamos que a maioria tenha algo que consiga lhe dar luz para viver novamente e enfrentar a vida, como a Sawako. Com toda a certeza, eu indico esse mangá.



Gênero:   Drama,  Slice of life
Autor:  Keiko Suenobu
Mangá:  1 Volume  


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